Desta vez nem precisa de contexto para introduzir o assunto: Ford New Fiesta ou Peugeot 208? É simplesmente a dúvida do ano para quem está pensando num hatch compacto, digamos, “não popular”. Faz tempo que a gente queria reunir os dois (até fizemos um “tira-teima” deles separados na época do lançamento do Ford), mas foi difícil conciliar a agenda dos modelos. Pois agora a dupla está aqui: aproveitamos que o 208 Allure está no Garagem CARPLACE por um mês e conseguimos um Fiesta também com motor 1.5 (os mais vendidos) para o duelo.
A Ford nos mandou a versão S, de entrada, para o teste. Ela custa R$ 39.890, mas vem com (feias) calotas que empobrecem o belo visual do hatch e um interior quase todo preto (de aspecto simples), além de não ter os faróis de neblina. Nossa sugestão? Fique com a SE, de R$ 42.590, que adiciona os faróis auxiliares, rodas de liga e detalhes prateados no painel e nas maçanetas. O 208 Allure também não seria nosso escolhido na gama da Peugeot. A não ser que você faça questão do teto panorâmico de vidro, economize R$ 3 mil e leve a versão Active Pack, que traz os mesmos itens (menos a janela para o céu), a R$ 42.990. Vamos considerar então o Fiesta SE e o 208 Active Pack, de modo que temos uma diferença de apenas R$ 400 entre eles. Ah, e também uma semelhança: vidros traseiros por manivelas…
Grana, portanto, não é o que vai definir essa parada. Nem o custo para mantê-los: a cotação de seguro do 208 é um pouco mais alta (média de 4% do valor do carro em São Paulo, contra cerca de 3% do rival), mas a cesta de peças do Fiesta tem preço maior. A Ford tem mais pontos de assistência, mas exige a chata revisão a cada seis meses – a Peugeot considera a mesma quilometragem da Ford (10 mil km) ou um ano, dentro dos padrões normais. A garantia é de três anos nos dois carros.
Após uma semana nos revezando ao volante desses hatches, a conclusão não foi unânime: na redação de CARPLACE, uns ficariam com o Ford, outros com o Peugeot. Como autor do texto, ouvi os dois lados, levei em consideração a emoção, a razão e, claro, nossos números de teste. Não adiantou: empate é o resultado mais justo para este comparativo. A escolha por um ou outro se dará pelo que você considera como prioridades.
O New Fiesta nacional manteve a alma do modelo mexicano com algumas novas atrações, mas também sensíveis perdas. Primeiro o lado bom: a reestilização deixou o carro ainda mais atraente, algo difícil de conseguir devido ao desenho original muito feliz. Tudo bem que a Ford mexeu pouco, mas conseguiu encaixar a grade “Aston Martin” no hatch sem perder a harmonia das linhas, entre outros detalhes. Agora a parte inferior do para-choque já não raspa mais à toa como no modelo importado, embora ainda dê umas “lambidas” nas valetas por aí – o 208 nacional foi elevado em 10 mm para não ter esse problema.
O motor 1.5 16V é outro ponto alto do Fiesta. Alguém que não soubesse da mudança diria que está dirigindo o 1.6 16V da versão anterior. De fato a mudança foi pequena, com 111 cv e 15 kgfm de torque (eram 115 cv e 16,2 kgfm), e a boa disposição em baixa rotação do Sigma “mileseis” não se perdeu com o decréscimo de cilindrada – ele aceita trocas de marcha abaixo de 3 mil rpm numa boa. Fora isso, o Ford é um carro acertado para divertir, interagindo mais com o piso e o ambiente do que o 208. A direção elétrica é bastante rápida, acurada e consegue unir leveza nas manobras com peso correto na estrada. O câmbio com alavanca elevada tem engates curtos e precisos, enquanto os pedais oferecem ótima sensibilidade. Completando o conjunto, a suspensão é finamente calibrada – tem acerto mais firme, mas sem descuidar do conforto. Resumo da ópera: motor, câmbio, direção e suspensão tocam afinados, e o Fiesta segue como referência em prazer ao dirigir na categoria – torcemos pela importação da versão ST, com motor 1.6 turbo de 180 cv!
Se a dinâmica continua digna de aplausos, a qualidade de montagem e o acabamento foram sensivelmente prejudicados no New Fiesta nacional. Tudo bem que estamos na versão de entrada, mas nada que justifique os notórios gaps de carroceria e alguns plásticos de aspecto barato no interior (como a capinha do cinto de segurança e as maçanetas). Poderíamos até relevar a retirada do painel emborrachado e do para-brisa anti-ruído nos Fiesta 1.5, por conta do preço mais baixo, mas a verdade é que o compacto da Ford perdeu o fator “premium” diante de carros mais simples como Gol e Palio, ficando agora no mesmo nível destes. Pelo menos o painel segue bem desenhado e a iluminação azulada dos instrumentos ficou mais bacana que a laranja usada anteriormente. A posição ao volante também continua das melhores, com tudo no lugar certo e possibilidade de deixar o banco bem baixo.
Emparelhado com o Fiesta, o 208 salta ao olhos pela construção caprichada e o acabamento esmerado – praticamente no mesmo nível do carro vendido na Europa. A cabine transmite uma sensação mais sofisticada, com melhor seleção de materiais, texturas, tecidos e mistura de cores. A faixa cinza que atravessa o painel dá um toque interessante em contraste com as colunas brancas, de aparência bem clean. As maçanetas também têm um aspecto bem melhor que as do rival. Mas o grande charme do carro é mesmo o quadro de instrumentos elevado em conjunto com o volante de diâmetro reduzido (350 mm). Inovadora, a posição de dirigir deixa a condução mais lúdica. E o velocímetro ganha ênfase porque também aparece num visor digital, no centro do painel, lembrando a leitura que temos no Honda Civic. A proposta é que você visualize os mostradores por cima da direção, e não mais por dentro do aro dela. Falando em enxergar, o Peugeot tem retrovisores com campo de visão mais amplo que o do Fiesta, além de melhor visibilidade traseira.
Outra coisa legal do modelo francês é a central multimídia com uma vistosa tela de LCD sensível ao toque. Tem rádio, computador de bordo, entradas USB/AUX, Bluetooth e até navegador por GPS – recurso exclusivo nesta faixa de preço. O sistema dá um banho no rádio do Fiesta, que só tem Bluetooth entrada USB e uma telinha inclinada para cima que é ruim de visualizar. Além disso, a central do 208 forma um belo conjunto com o painel aceso à noite, proporcionando um ambiente moderno e aconchegante. Isso sem falar que o Peugeot traz os comandos do som no volante, mimo oferecido pelo Ford somente nas versões 1.6.
Nenhum dos dois tem como objetivo levar a família. Mas o 208 oferece melhor acomodação no banco traseiro, com mais espaço para as pernas. O teto baixo limita a acomodação dos mais altos em ambos os hatches. O Fiesta prioriza os ocupantes da frente, ainda que ofereça a fixação Isofix para cadeirinhas de criança no banco de trás, ao passo que o 208 é o único a ter cinto de três pontos para o quinto ocupante. Quanto ao porta-malas, temos praticamente um empate técnico: 281 litros no Ford e 285 l no Peugeot.
Em movimento, é nítida a diferença de comportamento entre eles. O 208 é sempre mais confortável e silencioso, não só pela suspensão mais macia como também pelos pneus de perfil mais alto (195/60 contra 195/55, amos aro 15″) e o melhor isolamento acústico. A direção, também com assistência elétrica, é levinha e bem calibrada, mas não tão ágil quanto a do Ford. O Peugeot tem um conjunto suave, mas não se faz de rogado quando a ideia for andar mais forte. Apesar da inclinação mais acentuada da carroceria nas curvas, o 208 garante um bocado de diversão ao volante, revelando boa estabilidade e fácil controle mesmo no limite. O motor 1.5 de 93 cv e 14,2 kgfm é bastante agradável na cidade e dá conta do recado na estrada. Apenas o câmbio poderia ser melhor, com engates mais curtos – ainda assim melhorou bastante em relação ao 207.
Nas medições, os resultados confirmaram o que a gente percebeu na “vida real”. O Ford é realmente mais esperto quando exigido a fundo, e seu motor 16V sobe de giro com mais vontade que o 8V do Peugeot. Na aceleração de 0 a 100 km/h, o Fiesta (que limita a saída em 4 mil rpm para preservar o conjunto mecânico) arrancou com o mesmo apetite da versão 1.6 16V do 208, com a marca de 11,6 segundos, enquanto o 208 1.5 registrou 12,4 s. Mas a boa oferta de torque em baixos giros do Peugeot 8V ficou clara nas provas de retomada, em que ele venceu o Ford tanto a medição de 40 a 100 km/h quanto a de 80 a 120 km/h – e com boa margem. Isso mostra porque, no dia-a-dia, o 208 parece tão (ou mais) bem disposto que o Fiesta. O hatch do oval azul só pulará na frente se o motorista acelerar tudo.
Caindo na estrada, ambos viajam a 120 km/h em quinta marcha sem que o motor incomode pelo barulho – são cerca de 3.100 rpm no Fiesta e 3.400 rpm no 208. Mas, se pintar um aclive, os dois vão pedir redução para quarta marcha afim de manter a velocidade, especialmente se estiverem cheios e com o ar-condicionado ligado. O Peugeot é um pouco mais silencioso, diferença que fica mais evidente caso o piso seja esburacado. Já o Ford tem freios melhores, parando em menor espaço nos testes e exibindo um pedal com melhor sensibilidade. Não tem jeito: não há nada de errado com a dinâmica do 208, mas o Fiesta é o compacto com a dirigibilidade mais afiada do mercado.
Quanto ao consumo, os resultados foram até curiosos de tão próximos. O Ford me chamou atenção por não revelar melhora em relação ao 1.6 mexicano, com médias de 8,1 km/l na cidade e 11,9 km/l na estrada, sempre com etanol. Já o Peugeot bebeu um tiquinho mais, com médias de 8 km/l e 11,7 km/l, respectivamente, resultando num empate técnico. Vantagem do Fiesta é trazer o sistema de aquecimento do combustível que elimina o tanquinho de gasolina da partida a frio, recurso só oferecido pelo 208 nas versões 1.6.
A nacionalização do New Fiesta fez muito bem às vendas dele, que somadas às do Fiesta Rocam já deixam o modelo em quarto lugar no ranking da Fenabrave. Em São Paulo, já é mais fácil ver a versão nova do que o modelo mexicano nas ruas. Mas o sucesso de público não significa que ele seja um carro superior ao 208. Embora com produção e vendas mais modestas, o Peugeot também possui atributos de sobra para justificar a escolha por ele. Em termos de compactos “não populares”, o Brasil nunca foi tão bem servido quanto agora.
Por Daniel Messeder
Fotos Rafael Munhoz
Ficha técnica – Ford Fiesta 1.5
Motor: dianteiro, transversal, quatro cilindros, 16 válvulas, 1.499 cm3, comando duplo, flex; Potência: 107 cv a 6.500 rpm/ 111 cv a 5.500 rpm; Torque: 14,8/15,0 kgfm a 4.250 rpm; Transmissão: câmbio manual de cinco marchas, tração dianteira; Direção: elétrica; Suspensão: independente McPherson na dianteira e eixo de torção na traseira; Freios: discos na dianteira e tambores na traseira, com ABS; Peso: 1.108 kg; Capacidades: porta-malas 281 litros, tanque 51,6 litros; Dimensões: comprimento 3.969 mm, largura 1.787 mm, altura 1.464 mm, entreeixos 2.489 mm
Medições CARPLACE
Aceleração
0 a 60 km/h: 5,1 s
0 a 80 km/h: 7,7 s
0 a 100 km/h: 11,6 s
Retomada
40 a 100 km/h em 3a marcha: 12,4 s
80 a 120 km/h em 4a marcha: 13,3 s
Frenagem
100 km/h a 0: 41,2 m
80 km/h a 0: 26,0 m
60 km/h a 0: 14,7 m
Consumo
Ciclo cidade: 8,1 km/l
Ciclo estrada: 11,9 km/l
Números do fabricante
Aceleração 0 a 100 km/h: 12,2 s
Consumo cidade: 7,8 km/l
Consumo estrada: 9,6 km/l
Velocidade máxima: 180 km/h
Ficha técnica – Peugeot 208 1.5
Motor: dianteiro, transversal, quatro cilindros, 1.449 cm3, 8 válvulas, comando simples; flex; Potência: 89/93 cv a 5.500 rpm; Torque: 13,5/14,2 kgfm a 3.000 rpm; Transmissão: câmbio manual de cinco marchas, tração dianteira; Direção: elétrica; Suspensão: Independente Mac Pherson na dianteira e eixo de torção na traseira; Freios: disco na dianteira e tambor na traseira, com ABS; Peso: 1.086 kg; Capacidades: porta-malas 285 litros, tanque 55 litros; Dimensões: comprimento 3.966 mm, largura 1.702 mm, altura 1.472 mm, entreeixos 2.540 mm
Medições CARPLACE
Aceleração
0 a 60 km/h: 5,0 s
0 a 80 km/h: 7,9 s
0 a 100 km/h: 12,4 s
Retomada
40 a 100 km/h em 3a marcha: 11,2 s
80 a 120 km/h em 4a marcha: 11,7 s
Frenagem
100 km/h a 0: 42,2 m
80 km/h a 0: 26,4 m
60 km/h a 0: 14,9 m
Consumo
Ciclo cidade: 8,0 km/l
Ciclo estrada: 11,7 km/l
Números do fabricante
Aceleração 0 a 100 km/h: 10,9 s
Consumo cidade: N/D
Consumo estrada: N/D
Velocidade máxima: 181 km/h
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